Se você me segue no Instagram (ainda não? Vai lá agora!), sabe que fiz um story despretensioso falando que não gostei da segunda temporada de The Bear.
Mal sabia que receberia uma enxurrada de comentários indignados pedindo explicações, então, cá estou eu!
Antes de mais nada, vamos deixar claro que não sou crítica de cinema e séries, sou apenas uma semioticista que gosta de cinema e série, e esta é a nossa news com pegada de mesa de bar. Estou apenas expressando minha opinião, não precisa ficar brava e muito menos concordar.
Falando nisso, para análises mais embasadas, corre lá na outra news!
Ah! E este post contém spoiler, tá? Não diga que eu não avisei!
Antes de falar do porquê eu não gostei da segunda temporada, preciso mencionar por que gostei da primeira. Minha percepção da segunda tem tudo a ver com a expectativa gerada pela primeira.
Então, vamos lá. Sobre a primeira temporada:
Tem alguns motivos que me fizeram amar a primeira temporada, e suspeito que esses motivos são os mesmos que fizeram a série ser um sucesso de público e crítica. Vou tentar resumir alguns deles:
1. A linguagem cinematográfica:
É difícil ver essa linguagem em série, até porque é difícil sustentá-la em formatos mais longos. Essa linguagem vai desde o roteiro, os diálogos, o ritmo, a construção dos personagens, a edição, a direção de arte, enfim, praticamente tudo.
2. O roteiro:
O roteiro é muito eficiente, uma série sem enrolação, sem histórias paralelas, sem muitas explicações. A série se passa praticamente toda numa cozinha de restaurante. A gente praticamente só conhece os personagens nesse contexto.
E isso, pra mim, se desenrola em alguns pontos altos da série:
1. O ritmo caótico que simula o tempo presente da cozinha e faz com que o espectador se sinta na pele dos personagens. É de tirar o fôlego.
2. A construção dos personagens que também acontece ali e, praticamente, só ali, fazendo com que o espectador se sinta na pele do Carmy ou da Sydney (que são os personagens novos naquele contexto). Assim como eles, você não sabe nada da vida daquelas pessoas, se tem famílias, ambições, de onde vieram, pra onde querem ir e você vai entendendo cada um aos poucos e de maneira limitada. Assim como na vida e assim como a experiência do Carmy e da Sydney chegando àquele restaurante de dinâmicas já tão estabelecidas.
Ao longo da série, você passa a se relacionar com cada personagem de uma maneira diferente, só a partir das impressões daquele momento "presente". Acho isso um puta trabalho de roteiro + atuação + direção.
Não é exatamente fácil apresentar vários personagens, que vão se construindo cheios de identidade - e não como meros coadjuvantes difusos que só preenchem a cena -, sem ter que contar todo o contexto de cada um, criar histórias paralelas e cenas de flashback (que não são necessariamente ruins, mas são um recurso bem batido do cinema).
Só isso, do ponto de vista semiótico é de um preciosismo tamanho.
Por fim, a primeira temporada é a jornada do anti-herói. A gente ama o Carmy, mas ele é meio babaca. A gente sabe que tem grandes chances de nada dar certo pra ninguém naquela história e a gente torce. E quando finalmente parece que algo vai dar certo, é de um jeito meio torto, sem redenção pra ninguém.
Amo quando um diretor ou produtor tem coragem de contar essas histórias. E amo quando o audiovisual se vale da linguagem da literatura pra deixar margem pra interpretação. Nem tudo precisa ser explicado, contextualizado, justificado.
Acho que a primeira temporada de The Bear entrega tudo isso.
Além de ótimas atuações, trilha sonora, fotografia e o feio-belo Jeremy Allen White (antes que vocês me xinguem, feio-belo é um baita elogio, é meu tipo de homem favorito. Não sou tão fã do belo-belo).
Aliás, o monólogo do último episódio é puro cinema.
Quando a primeira temporada acabou, já pensei que não queria que tivesse uma segunda, porque a chance de matarem vários dos elementos que mencionei acima era enorme. E dito e feito.
E deixa eu esclarecer uma coisa, a segunda temporada não é ruim e ponto. Eu acho que bom e ruim são conceitos que sempre devem ser pensados em contexto. Então, eu acho ruim, em relação à primeira, certo?
1. O ritmo da série é completamente outro (com exceção de alguns momentos e do episódio 6 todinho), o que, ok, como eu disse lá em cima, é insustentável manter esse ritmo por muito tempo. Mas nada de substancial em termos de linguagem substituiu aquele ritmo frenético que simulava o tempo presente.
2. A segunda temporada segue o caminho óbvio: vamos explicar e justificar as ações de todas os personagens, vamos amarrar todas as pontas soltas, vamos injetar aquela boa dose de romance.
3. A segunda temporada toda é uma grande jornada de redenção, do restaurante e dos personagens. Mostra as pessoas evoluindo, aprendendo, crescendo. Entendo o apelo disso, o ser humano aaaama uma jornada do herói, tanto é que a segunda temporada é um sucesso, mas é uma fórmula um tanto quanto desgastada, na minha desumilde opinião.
4. Cenas bregas. Podemos falar das cenas bregas? Aquela cena em que a irmã vai contar pro Carmy que está grávida e a parede cai, é digna de sitcom dos anos 80, vai... Nada a ver com a linguagem indie da primeira temporada. E as cenas da paisagem de Chicago girando?? QUAL A NECESSIDADE DISSO??
Do meio pro fim, deram uma levantada, mas parece que tiveram que contratar uma porrada de atores ótimos (Jamie Lee Curtis, Bob Odenkirk, Sarah Paulson, Gillian Jacobs, Olivia Coleman) e, para justificar, meteram um episódio de mais de 1 hora numa série de episódios curtinhos. É o melhor episódio da série? Provavelmente. Mas senti uma dose de desespero também, afinal, é O episódio que, além dos atores fodas, retoma a linguagem da primeira, essa, sim, ótima.
Só pra não dizerem que eu só reclamei, gosto muito de como o personagem da Ayo Edebiri, a Sydney, cresceu na segunda temporada. Não crescimento como sinônimo de amadurecimento, mas no sentido de que ela ganhou mais espaço na série e também camadas e complexidade.
Enfim.
Gosto de coisas que me provoquem. A primeira provocou, a segunda, não. É um bom entretenimento, apenas. O que não é um problema em si, mas minha expectativa era outra.
A primeira, pra mim, trouxe um frescor de novidade, foi a Chanel nos anos 20 subvertendo todos os códigos da vestimenta feminina a partir da reinvenção de códigos já existentes. A segunda foi um desfile de 2023 da Chanel, a eterna repaginada de códigos já bem estabelecidos.
Tal qual uma coleção da Chanel, o ruim ainda é melhor que muita coisa, mas não traz nada de novo.
E aqui vai uma nota de rodapé pessoal: eu morei por 1 ano e meio em Chicago, então filmes e séries que se passam na cidade, me trazem certa nostalgia. Aquela cena de abertura do episódio 7 da 1a temporada que mostra várias cenas da cidade ao som da música Chicago do Sufjan Stevens (show que, aliás, vi na cidade e foi um dos melhores da vida) é puro cinema! Bem diferente, aliás, das cenas da cidade girando…
Aliás, esse é o mesmo episódio que tem um plano-sequência de 17 minutos que foi filmado com câmera na mão porque o espaço da cozinha era muito apertado. Cinema!
uau, concordo 100%. mas pra além da série, que vc já disse tudo, venho elogiar a construção do seu texto!! que delícia de leitura, eu ia fazendo “sim com a cabeça” para TODOS os parágrafos e qdo terminou, queria que tivesse mais, apesar de vc ter encerrado lindamente ❤️ adorei! obrigada! louca pra ler mais sobre o que vc anda vendo por aí 😘
Lendo seu texto, penso o quão louváveis são as séries que mantem consistência de qualidade (ou proposito) a despeito da longevidade. E elas são poucas.
Penso que The Bear foi vítima do próprio sucesso. Os criadores pensaram, nossa deu certo! E agora? Conto da Aia é o exemplo mais recente desse fenômeno que consigo me lembrar.
A solução foi seguir o caminho fácil. E isso provavelmente vai, infelizmente, fazer o crivo do tempo tirar The Bear do panteão das produções imperdíveis.