Independência financeira é um tema feminino
Você investiria na sua carreira se não precisasse da permissão de ninguém?
Toda vez que eu abro inscrições para os meus cursos (mesmo o mais acessível, que exige um investimento inicial de R$ 139,90), eu ouço de pessoas interessadas que querem muito, muito estudar comigo, mas que não podem fazer esse investimento no momento. Essas pessoas são sempre mulheres. E essas mulheres são, majoritariamente, mulheres de classe média, classe média alta.
E essa afirmação de que não podem investir na própria carreira sempre fica rondando minha cabeça.
Eu poderia até pensar que, na verdade, é falta de interesse nos meus cursos. Mas aí, ela poderia simplesmente me ignorar e não precisaria se dar ao trabalho de vir manifestar seu desejo e sua impossibilidade de fazê-los, certo? Então, vou trabalhar com uma segunda hipótese.
E essa hipótese é que nós ainda somos educadas num modelo em que o homem é provedor. Ele ganha dinheiro, sustenta a casa, toma as grandes decisões financeiras. Enquanto a mulher cuida. Do marido, da carreira do marido, dos filhos, da casa, da saúde da família, dos pequenos gastos — mas nunca do patrimônio — e, se sobrar tempo, pode cuidar de si e da própria carreira.
Claro que isso tem recortes de classe e raça, e vai se desenrolar de maneiras diferentes, em contextos diferentes. Mas todas conhecemos essa estrutura, não é mesmo?
Estou ciente que também existem homens que não conseguem prover para si mesmos. Mas quando isso acontece, a conversa não é sobre dependência. É sobre questões maiores: desemprego, injustiça social, precarização do trabalho. Homem se torna dependente dos pais, do Estado, mas raramente de suas mulheres.
Por isso, independência financeira é um tema feminino.
A gente fala em liberdade, autonomia, autoestima, realização pessoal... mas tudo isso fica frágil quando esbarra na dependência financeira. Porque não se trata só de números na conta, mas da possibilidade de existir sem precisar da permissão de ninguém.
É sobre existir com liberdade. É sobre poder sair de um relacionamento que não te respeita, mudar de cidade, sustentar os filhos, abrir um negócio, comprar o que quiser, fazer escolhas. É sobre ter autonomia sobre a própria vida. E isso tudo passa por dinheiro, sim.
E quando a mulher resolve empreender, a situação fica ainda mais evidente. O que ela faz é tratado quase como um hobby remunerado.
Vou repetir que estou bem ciente do recorte de classe — e aqui estou falando principalmente das experiências que tenho com minhas alunas, que são, em geral, mulheres de classe média, classe média alta, e que contam com o suporte financeiro do marido. Mas o ponto é que, mesmo com esse suporte — ou talvez por causa dele — elas não tratam o trabalho com a seriedade que ele precisa pra dar certo.
E como o trabalho não dá certo, ela continua dependente. Como continua dependente, não consegue investir no trabalho — nem tempo, nem dinheiro. Como não investe, o trabalho não evolui. Como não evolui, não é levado a sério. Como não é levado a sério, ela não sente segurança pra cobrar mais, pra divulgar, pra assumir sua posição.
É um ciclo. E ele não é individual. É estrutural. Mas como tudo que atravessa o universo feminino, acaba sendo lido como questão pessoal.
Vejo isso todos os dias nas trocas com as minhas alunas. Mulheres inteligentes, criativas, com formação, com ideias boas… mas que hesitam na hora de investir tempo, dinheiro, energia nos próprios projetos. Que têm medo de cobrar. Que se sentem “meio culpadas” por ganhar mais do que o marido — ou nem cogitam essa possibilidade. Que tratam o negócio como algo que, se der certo, ótimo. Mas se não der, tudo bem. Afinal, não é disso que a vida depende.
Porque nessa estrutura, pode até ser bem-vindo que a mulher casada com um homem provedor tenha um trabalho fora de casa. Assim, ela fica distraída o suficiente para achar que está vivendo numa relação equalitária. Desde que não fique comprometida demais a ponto de cobrar isso, de fato.
Afinal, a mulher realmente comprometida com sua carreira terá menos tempo disponível para cuidar da casa, dos filhos e do marido — e vai cobrar que o parceiro faça a parte dele.
O ponto é: autonomia não se sustenta em cima de trabalho improvisado.
Se o negócio não é estruturado com seriedade — com plano, com preço justo, com ambição, com metas — ele vira um esforço invisível que consome energia sem gerar liberdade.
Para as mulheres, ainda existe um tabu imenso em torno da ideia de ganhar bem. Como se fosse preciso pedir desculpas por querer viver com conforto. Como se fosse mais bonito quando a gente trabalha por amor — desde que o amor não envolva ambição. Isso também é construção cultural.
Mas e se a gente começasse a tratar o desejo de crescer como parte do próprio projeto de existência?
Porque no fim das contas, é disso que se trata.
A forma como você lida com o seu dinheiro diz muito sobre o lugar que você acredita que pode ocupar no mundo.
Se você sente que precisa pedir permissão pra investir, se cobra barato pra não incomodar, se tem vergonha de divulgar o que faz, se não se permite sonhar grande... talvez não seja por falta de competência.
Levar seu trabalho a sério não é só uma questão de dinheiro. É também uma decisão política.
Porque toda mulher financeiramente independente ameaça um modelo que ainda sustenta muito da nossa sociedade. Um modelo que se organiza na dependência feminina, seja ela afetiva, emocional ou econômica.
E tem mais: muitas das mulheres que me procuram acham que têm um problema de negócio. Que precisam de estratégia, posicionamento, tráfego, precificação. E sim, às vezes precisam mesmo. Mas o que vejo com frequência é que, antes de qualquer ferramenta, o que falta é uma mudança de postura.
É encarar o trabalho como trabalho. É sair da lógica do hobby remunerado e entrar na lógica da construção de uma carreira. É deixar de tratar o próprio negócio como um experimento e começar a tratá-lo como algo que tem valor — antes mesmo de dar lucro.
Porque nenhuma estratégia funciona quando quem executa ainda está em dúvida se pode, se merece, se vale.
Não tem planilha que resolva a falta de autorização interna.
E talvez o primeiro investimento que você precise fazer no seu negócio seja esse: o de se posicionar como alguém que leva a si mesma a sério.
A pergunta, então, não é se você deve investir no seu negócio. É se você quer existir com autonomia. E, se a resposta for sim, o investimento na sua carreira não pode continuar sendo um assunto secundário.
Um tema bem profundo que toca nestes pontos da dependência das mulheres. Afetivo, emocional e financeira estão conectadas. As mulheres ainda ocupam um lugar no casamento ( em sua maioria) pra manter esse status de não ameaçar, ser um tanto invisível e assim manter essa "união". Esse assunto é profundo a professora Adriana Ventura fala disso em seu livro: A síndrome da escolhida. Temos um longo caminho a percorrer.