Informação demais mata a curiosidade
Vira e mexe, conversando com amigos e com meu marido, eu me pego chegando à mesma conclusão: talvez a escassez traga, sim, uma dose de interessância pra vida.
E por favor, não estou romantizando a pobreza, ok? Tô falando de uma certa dose de escassez dentro de uma vida digna. Porque é esse “menos” que, às vezes, ativa a nossa curiosidade, nosso senso de busca e, consequentemente, nosso repertório.
Tenho impressão que o excesso de informação tem deixado as pessoas menos curiosas.
Nunca tivemos tanto conteúdo ao nosso alcance — Google, ChatGPT, redes sociais, tudo ali, a um clique. Só que essa informação não vem só quando a gente procura. Ela vem o tempo todo, mesmo quando a gente não quer. Basta abrir o Instagram e pronto: vem tragédia, fofoca, meme, breaking news da moda e mais um vídeo de 15 segundos que você nem lembra depois.
A gente consome tanta informação de forma passiva, que fica cansado demais pra procurar informação ativamente.
Afinal, esse turbilhão de informação ou te deixa exausto e apático ou te deixa com uma falsa sensação de estar informado. E, no meio disso, vai perdendo a vontade de ir atrás do que realmente interessa. Vai perdendo a curiosidade mesmo.
Outro dia vi o Samuel Rosa falando que, se não tivesse feito sucesso com o Skank, hoje ele nem conseguiria fazer o tipo de música que faz. Porque ninguém mais ouve disco do começo ao fim. O que importa agora é o single que viraliza no TikTok. As gravadoras querem isso. E a gente, que já está ali no modo automático, aceita as playlists do algoritmo sem nem saber quem é o artista que tá tocando.
Eu juro que isso aqui não é um texto nostálgico do tipo "no meu tempo era melhor" (ou será que é?). Mas o fato é que, quando eu era adolescente, se eu visse um clipe na MTV e gostasse, eu tinha que correr atrás do CD, saber quem era aquele artista, pesquisar. Se eu visse um filme que mexesse comigo, ia fuçar para entender quem dirigiu, que outros filmes aquela pessoa já fez, que outros caminhos aquilo me abria. Porque não tinha Netflix com mil opções. Tinha Supercine. Ou você dava seus pulos ou não tinha como assistir o que queria.
E eu fiz tanto isso que hoje sei listar meus diretores favoritos, sei dizer o quê neles que me agrada. Sei que Sophia Coppola é amiga da Kim Gordon e do Marc Jacobs e isso é mais que fofoca de celebridade, é entender um pouco do contexto estético dos anos 90.
Era mais difícil? Era. Mas tenho impressão que o lado positivo disso é que, se você fosse curioso e interessado, acabava desenvolvendo repertório e curadoria próprios.
E é aqui que eu quero chegar: isso também vale pro estilo.
Eu, por exemplo, fui uma jovem sem muito acesso, mas que gostava muito de moda e queria ter meu próprio estilo.
Eu só tinha acesso às lojas populares: C&A, Renner, Riachuelo. E naquela época elas nem trabalhavam com informação de moda como hoje. Se eu quisesse uma roupa diferente ou com a minha cara, tinha que ser criativa. Tinha que achar novos jeitos de usar a mesma peça. Tinha que transformar as peças compradas em outras mais legais. Tinha que levar tecido na costureira pra fazer uma roupa que eu tinha inventado. (Sim, foi assim que eu fui parar na faculdade de moda).
Fora os bazares de igreja! Como eu comprei preciosidades em bazar! Vasculhava tudo, achava umas peças que só eu via potencial. E isso, sem dúvida, me ensinou a ter olhar. A treinar minha curadoria. A enxergar o que pouca gente via.

Hoje, quando vou às compras com cliente ou até sozinha, essa habilidade se faz bem presente. As alunas até brincam que eu acho look bom até em loja que ninguém dá nada. E eu acho mesmo. Pode me desafiar. Me coloca em qualquer muquifo e eu vou sair de lá com, pelo menos, uma peça aproveitável.
Eu acho que foi exatamente essa escassez que me ajudou a desenvolver meu estilo. Porque eu não tinha acesso a estética pronta. Não tinha Pinterest, nem grana. Tinha que inventar. E inventar é o oposto de copiar.
No fim das contas, talvez estilo não nasça no excesso. Talvez ele nasça na busca. Na necessidade de olhar com mais atenção, de fazer escolhas, de lapidar um repertório próprio. Porque estilo, no fundo, é isso: curadoria. E quem tem tudo à disposição, o tempo inteiro, corre o risco de nunca desenvolver a própria.
Adorei, Carol! Fico pensando quantas pessoas boas estamos "perdendo" hoje em dia porque não há espaço para elas, ou porque tudo está tão barulhento que acaba sendo mais fácil consumir o que está ao nosso alcance. Acho que, por isso, ultimamente tenho focado tanto a minha atenção no Substack. Ainda é uma rede social cheia de conteúdo, mas o simples fato de você parar para ler um texto que exige a sua atenção já é um marco em 2025.
Carol, que vento bom no rosto tem sido te ler! Amo todas as analogias e histórias que vc lindamente escreve. Obrigada!! ✨