“Nossa, nem parece que você tem 40 anos”
Um papo sobre como o estilo de vida está borrando as fronteiras etárias no vestir.
Estou prestes a fazer 40 anos. Me sinto com 40 anos. Já vivi o suficiente para fazer jus à idade que consta no meu RG. Também sinto que me visto de maneira completamente adequada à minha idade – seja lá o que isso significa. O ponto é que não me sinto deslocada, nem jovem demais, nem velha demais no vestir. Mas também sei que, às vezes, as pessoas se surpreendem quando descobrem minha idade.
Etarismo? Sim. Também. Mas como me interessa ir mais a fundo nas discussões, em vez de simplesmente rotular um fenômeno e encerrar o assunto, me botei a pensar sobre o que está por trás disso.
Você já deve ter visto aqueles cortes antigos do programa do Silvio Santos e ficado chocada com o quanto as pessoas pareciam mais velhas do que realmente eram. Mas por quê? O que mudou?
Ao mesmo tempo, dizer que alguém "parece mais jovem" já não soa tanto como elogio. Em uma sociedade que há décadas glorifica – e persegue – a juventude eterna, sabemos que essa busca é um jogo de cartas marcadas. A batalha contra o tempo já começa perdida. Então, sim, dizer que alguém aparenta ser mais jovem pode soar como etarismo, porque reforça a ideia de que parecer mais velho é algo negativo.
Mas será que essas fronteiras etárias no vestir estão mais borradas porque estamos buscando essa juventude eterna? Ou porque a maneira como vivemos mudou?
Numa pesquisa do Grupo Consumoteca, que vai explorar justamente essa nova concepção de vida adulta, eles chegaram à conclusão que, quanto maior a idade,
mais jovens as pessoas se sentem.
Segundo eles, “vivemos na era da Adultopia, um momento em que a vida adulta está se expandindo e ganhando novos significados. A juventude deixa de ser apenas uma questão de idade e passa a ser definida pelo estilo de vida.”
Se antes a idade era organizada por marcos relativamente fixos – casar, ter filhos, comprar uma casa, entrar na faculdade –, hoje esses marcos são muito mais fluidos. Tem gente tendo o primeiro filho aos 40, entrando na faculdade aos 50, escolhendo viajar o mundo em vez de comprar um imóvel – ou simplesmente sem condições financeiras de fazer nenhuma dessas coisas.
Nos últimos anos, a moda também passou por um processo irreversível de casualização. E o que antes era associado exclusivamente à juventude – tênis, moletom, jeans, roupas mais confortáveis e despojadas – agora faz parte do vestuário de pessoas de todas as idades.
Além disso, a forma como envelhecemos mudou. As pessoas vivem mais, trabalham por mais tempo, são mais ativas e têm acesso a um repertório de referências estéticas e culturais muito mais amplo do que gerações anteriores.
Se o estilo de vida afeta diretamente o vestir – e isso é um fato – não dá mais para encaixar as pessoas em categorias etárias tão rígidas. O que antes funcionava como um marcador de idade simplesmente perdeu o sentido. Ainda assim, insistimos em ver as coisas com os olhos do passado.
Eu tenho 40 anos. Uso minissaia, tênis e um monte de coisas que, na geração dos meus pais, não caberiam no guarda-roupa de uma mulher da minha idade ou, pelo menos, pareceriam deslocadas. E eu nem me questiono se "deveria" ou não usar tal peça. Não só porque sou bem resolvida com a minha idade, mas porque meu estilo de vida permite. Ninguém, nos meus círculos sociais, acha minimamente estranho que eu me vista da maneira como me visto.
E é aí que entra o ponto central dessa conversa. Quando olhamos para alguém e dizemos “nossa, nem parece que tem 40 anos”, precisamos nos perguntar: estamos projetando um ideal ultrapassado de como essa idade deveria se parecer? Estamos enxergando essa pessoa de forma mais ampla ou estamos presos a uma visão reducionista do que significa amadurecer?
Porque, se a gente parar para pensar, não é que as pessoas estejam "parecendo mais jovens". Elas estão parecendo com a idade que têm hoje – e não com o que achávamos que essa idade deveria ser há 30, 40 anos. Talvez seja hora de atualizar nossa concepção de maturidade e envelhecimento – e, junto com isso, o nosso vocabulário.
E você, como consultora de estilo, já parou para refletir sobre isso? Ou ainda está tentando enquadrar seus clientes em fórmulas do século passado?
PS: A foto que ilustra esse texto é da Shirley Manson, 58 anos, vocalista do Garbage no show que ela fez em São Paulo recentemente. No dia do show, eu já tinha escrito esse texto e fiquei pensando como ela é um exemplo perfeito para o que estou falando aqui. De acordo com a OMS, em 2 anos, Shirley já será considerada idosa. Mas a imagem que vi no palco é muito distante do que a palavra “idoso” evoca na minha cabeça e, aposto, na sua também, não é?