O Carnaval é uma beleza, né?
Entendo se você não gosta de bloco, glitter, suor, multidão, música. Eu gosto, vamos deixar claro. Mas gostando ou não, temos que admitir que é bonito de ver as cidades sendo tomadas por alegria e glitter.
Sou dessas que acho que a alegria é política. Que entendo que ocupar a cidade é político. Para além do Carnaval, claro, mas também nele.
E sendo de São Paulo, a cidade do trabalho, essa cidade em que tanta gente mora, mas não vive, eu sempre me emociono quando vejo as ruas tomadas de gente seminua e brilhante.
Nesse embalo, eis que, sábado, nove da manhã, estava eu parada na frente do meu prédio, vestindo apenas um biquini de paetê, meia arrastão e glitter, quando encontro uma vizinha de oi-e-tchau.
Zero estranhamento. Disse oi, comentou que eu estava linda e cada uma seguiu seu rumo. Eu para o bloco, ela não sei.
Como mãe de uma criança de 4 anos que ainda está tentando dar sentido para o mundo (filha, nem sempre o mundo faz sentido) e que achou curiosíssimo ver gente de biquini ou pelada na rua, não pude deixar de pensar como a nudez é simbólica.
Sábado de carnaval e você encontra sua vizinha de biquini no portão? Nada demais.
Um dia qualquer de julho? Muito estranho.
Troca o biquini por calcinha e sutiã? Temos caso de polícia ou psiquiatra.
Não é a quantidade de pele à mostra. É o contexto. Sempre ele.
Se você é minha aluna tá cansada de me ouvir dizer que quem dá o contexto é a cultura. O contexto dá contorno para os sentidos.
A beleza do Carnaval, entre outras coisas, está em abrir essas brechas pra gente repensar os sentidos. Seja na maneira como ocupamos a cidade, vivemos nosso corpo ou construímos nossa aparência.
Dizer que algo é determinado pela cultura não significa dizer, como muita gente confunde, que eu posso mudar a meu bel prazer. Não.
A cultura muda, sim, mas cultura é coletivo. Você, serumaninho, sozinho, não muda a cultura. Mas pode se organizar pra tentar mudar, claro, ainda que uma cultura de um espaço mais reduzido. Eu sigo tentando mudar a cultura da consultoria de estilo, por exemplo.
Essa multiplicidade de sentidos me mostra que o mundo é bem maior que meu umbigo.
Que meu gosto é pessoal.
Que as respostas únicas geralmente são rasas.
Que as fórmulas prontas não dão conta da nossa complexidade.
Nada é absoluto. Ou quase nada, pelo menos.
Muita gente tem um medo absurdo disso - porque a liberdade exige responsabilidade e também uma dose de pensamento crítico para escolher.
Daí, claro, é mais fácil seguir um manual de regras.
Com isso, não quero dizer que você deva trabalhar sem roupa depois da quarta-feira de cinzas.
Não é sobre isso.
É sobre entender que existem possibilidades múltiplas.
Acabou Carnaval. O ano começou oficialmente. As regras da sociedade voltaram a imperar. Você não vai mais sair sem roupa na rua. Mas por que não seguir de glitter na cara? Literal e metaforicamente.