Uma história bem pessoal sobre minhas refs de estilo
O que estilo diz sobre identidade e pertencimento.
Vira e mexe eu uso meu próprio estilo como exemplo nas aulas. E um desses dias alguém me perguntou: de onde vêm as minhas referências de estilo?
Eu podia citar algumas pessoas cujo estilo admiro. Mas a verdade é que minhas referências vêm de outro lugar. Pra responder, preciso contar uma história bem pessoal.
Eu fui uma criança e uma pré-adolescente muito esquisita. Sofri bullying na escola porque era tímida, introvertida, gordinha. Enquanto todo mundo brincava, eu ficava no canto lendo. Com 14 anos já tinha lido Crime e Castigo, do Dostoiévski. Hoje pode parecer cool, mas na época eu era só esquisita, mesmo.
Mas eis que um dia, eu entendi que ser esquisita podia ser legal.

Por volta dos 14, 15 anos, comecei a criar um gosto musical mais próprio. Primeiro Nirvana, depois Hole. Teve uma fase Red Hot Chili Peppers. Até que voltei um pouco no tempo e encontrei Blondie, Patti Smith, Velvet Underground.
Se você já fez alguma aula comigo, sabe que sempre falo do punk. É daí que vem. Quando ouvi essas bandas pensei: “Meu Deus, que gente esquisita. Eles são incríveis. Quem disse que esquisito é ruim? Esquisito é genial”.
A partir daí, aquilo que antes era minha fraqueza, aquilo que antes era motivo de bullying, passou a ser minha força, porque eu me apropriei da esquisitice e assumi isso como um traço identitário.
Durante toda a adolescência, eu fiz questão de ser esquisita. Tive cabelo rosa numa época em que isso era raridade. (Pra conseguir, eu tinha que ir até a Galeria do Rock comprar tinta, porque era o único lugar que vendia. Isso era pré-internet, gente. Só quem viveu sabe.)
E tem algo importante aí: as pessoas só fazem bullying com aquilo que você sente como fraqueza. Ninguém consegue te atingir por algo que você tem orgulho de ser. Se alguém te chama de bonita, você agradece. Se alguém te chama de esquisita — e você gosta disso — você também agradece. E pronto, acabou a vulnerabilidade.
Desde então, a esquisitice faz parte do meu estilo. Claro que, 25 anos depois, ela se transformou. Hoje não tenho mais cabelo rosa, meu estilo amadureceu, mas sempre há um certo estranhamento nos meus looks.
E aqui eu poderia dizer que não faço mais questão de ser esquisita. Mas, se eu for honesta, acho que ainda faço sim. Afinal, construí uma carreira inteira indo contra regras que reforçam padrões de beleza e comportamento.
Eu odiaria ser confundida com aquelas pessoas pregadoras de “elegância”. Então sim, ser esquisita ainda importa pra mim. O que mudou foi o que eu considero esquisito hoje, e como elaboro isso na minha identidade e no meu trabalho.
Por isso, quando me perguntam quais são minhas referências de estilo, a resposta não está em nomes específicos. Minha grande referência sempre foram as pessoas esquisitas e que transformavam isso em arte, em música, em filmes. Não foi consciente na época — hoje consigo elaborar porque já passaram muitos anos e muita análise.
Mas vejo com clareza que tudo começou por identificação. Primeiro com aquelas bandas. Depois com outras artes, outras linguagens. É esse poder de pertencimento: de se sentir acolhida por pessoas que nem te conhecem, mas que parecem falar diretamente com você.
Acho que é aí que está a beleza do estilo. Quando ele ultrapassa a casca, quando não é só sobre looks. Quando se torna parte da sua identidade, uma forma de se colocar no mundo.
Porque estilo também é sobre demarcar quem é a sua galera. E, no meu caso, sempre esteve muito claro na minha roupa quem é — e quem não é — da minha turma.




