Sua filha ainda vai usar roupas ridículas
E isso é um sinal de que você tá fazendo algo certo
No final de semana passado eu fui no Popload Festival, um festival de faixa etária bastante variada: tinha desde adolescentes 18-, acompanhados pelos pais, ansiosos para ver Laufey, até a galera 40+ (minha galera) que foi ver Kim Gordon e St. Vincent.
E eu, como boa observadora de looks que sou, não pude deixar de comentar com meu marido: as mulheres 40+ estavam arrasando muito mais nos looks do que as xóvens. Talvez essa percepção tenha sido influenciada pela minha idade? Talvez.
Mas fato é que as mulheres mais velhas estão arrasando demais, e o que eu vi por lá foram estilos carregados de identidade, muito bem construídos ao longo de quatro décadas de vida.
Do lado das jovens, muita trend do TikTok dos pés à cabeça. Aliás, nunca vi tanta trend do TikTok fora das telas. Todo mundo tentando ser criativo, mas se vestindo exatamente igual. Looks que, eu confesso, não entendo.
Quando comentei isso com meu marido, ele logo mandou: você sabe que vai chegar a vez da Teresa usar roupas que você vai achar completamente ridículas, né?
E eu respondi sem nem pensar: tô criando minha filha pra que esse momento chegue mesmo!
Primeiro, porque estilo é construção e experimentação. Quanto mais tempo a gente tem pra se dedicar a isso, mais interessante ele fica. Não é à toa que as gatas 40+ tenham estilos carregados de si mesmas e de suas histórias, enquanto as adolescentes ainda estão tentando entender quem diabos elas são (e, nessa tentativa, acabam se parecendo demais umas com as outras).
Segundo, porque se Teresa estiver usando roupas que eu não entendo, isso pra mim é sinal de que ela tem autonomia, liberdade de expressão e que não tem medo do meu julgamento. E pra uma filha não ter medo do julgamento da mãe que trabalha com moda, haja segurança!
Essa conversa com meu marido me levou a pensar num dilema que vejo direto na consultoria de estilo: como nossa relação com as roupas é atravessada pelas experiências da infância e adolescência e, claro, pelas expectativas dos nossos pais.
Tem a cliente que cresceu numa família super intelectual, onde se importar com a imagem era visto como futilidade. E só agora, aos 45 anos, percebe que a imagem que ela passa tá travando sua carreira — justamente por não ser pensada.
Tem também a cliente que só começou a escolher as próprias roupas quando começou a trabalhar, e aí se deu conta de que não fazia ideia do que gostava.
Tem a pilha de roupas presenteadas pela mãe, que não têm nada a ver com a filha, mas sim com as projeções da mãe.
Já ouvi até um caso de uma cliente, com mais de 40, carreira brilhante, independente, que chegou na casa da mãe pra irem juntas a um evento em família... e a mãe não gostou da roupa. Subiu no armário, pegou outra e mandou a filha trocar.
E todas essas histórias têm algo em comum: elas abalam a confiança dessas mulheres na própria escolha.
E se a gente não confia nem pra decidir o que vestir, como vai confiar em escolhas maiores?
Nossa roupa, afinal, é uma das formas mais acessíveis de afirmar nossa identidade. É por isso que o tema é tão delicado. É também por isso que o dilema da cliente nunca é só sobre roupas. (Não sei se vocês sabem, mas existe toda uma área na literatura sobre parentalidade e na psicologia dedicada às brigas por causa de roupa.)
Não sou psicóloga, mas vou ousar dizer que afirmar a própria identidade passa, inevitavelmente, por negar partes dos nossos pais. Quando um filho ousa usar uma roupa que os pais não entendem, não gostam, acham ridícula, é isso que ele está fazendo: demarcando sua identidade e a separação que faz parte do amadurecimento.
Não posso falar por todo mundo, mas acho que um dos meus grandes dilemas da maternidade é que eu quero criar uma mulher preparada para a vida adulta, e quero muito que ela tenha autonomia e segurança para tomar as próprias decisões. Ao mesmo tempo em que eu preciso gerenciar as minhas próprias expectativas, entendendo, inclusive, que esse mundo em que ela está crescendo é muito diferente do que eu cresci — e que, portanto, nossa visão de mundo será, invariavelmente, muito diferente também.
Portanto, acho que o grande medo dos pais quando o filho veste alguma coisa que eles não entendem é, no fim das contas, puro ego. É sobre não se reconhecer naquela criatura que você colocou no mundo. É sobre se sentir julgado pelos seus amigos. Acho que, em geral, é muito menos sobre os filhos em si.
Porque, afinal, como eu sempre falo pras minhas clientes: ninguém morre, nada grave no mundo acontece quando alguém sai na rua com um look meio equivocado. E eu tenho lugar de fala: fui uma adolescente esquisitíssima e tenho zero arrependimentos.
Então, óbvio que vai existir um abismo estético entre Teresa e eu. E é exatamente por isso que espero que ele exista mesmo. Sinal de que ela não cresceu à minha sombra e tá tentando descobrir quem ela é. E, sim, ela vai fazer isso imitando o grupo.
Porque o vestir é sobre pertencimento também. Tenho muita clareza de que as tendências que eu acho esquisitas fazem todo sentido pra galera com 25 anos a menos do que eu.
Não, não sou dessas consultoras de estilo que acham que se vestir como o grupo é o fim do mundo. Pelo contrário, entendo que, especialmente na adolescência, faz parte da construção da nossa identidade. É nos vendo refletidos no Outro que entendemos quem somos, quem queremos e não queremos ser. É por isso que os jovens do Popload estavam todos iguais: porque estavam, na verdade, tentando se encontrar uns nos outros.
É bem possível que ainda vá pagar língua, mas, por enquanto, Teresa tem muita liberdade para escolher o que ela quer vestir. Tem meia descombinada. Tem coordenações sem pé nem cabeça. Já deixei até a criança sair de casaco num calor de 30 °C, sabendo que ela ia tirar assim que ficasse quente demais (não demorou muito e ela nunca mais pediu casaco no calor).
Claro que, como ela ainda tem só cinco anos, sou eu quem compro suas roupas. Deixo ela escolher, mas dentro da minha pré-seleção. Então, sejamos justas: talvez não seja tanta liberdade assim.
Mas, assim como estilo e identidade, autonomia também é construção.