Vista o que diabos você quiser
Terminei de assistir o Where the F** You Want, nova versão do famoso What Not to Wear (que aqui no Brasil ficou conhecido como Esquadrão da Moda) e logo nos primeiros episódios, me peguei pensando: esse tipo de programa é um ótimo termômetro de como a consultoria de estilo precisa se reinventar.
Pra quem não lembra, o What Not to Wear era, talvez o mais famoso, programas de extreme makeover que bombaram lá nos anos 2000. A proposta: corrigir o estilo do participante.
O nome já entregava tudo: o que você NÃO deve vestir. Um programa inteiro estruturado em cima desse título prescritivo que parte da negação do estilo atual do participante.
Os dois apresentadores, a Stacy London e o Clinton Kelly, já começavam criticando (e quando eu digo criticando é CRITICANDO mesmo) o jeito da pessoa se vestir. Falando mal real. E seguiam dali pra tentar “consertar” o estilo da pessoa dentro do que eles entendiam que era o correto.
Não vou ser hipócrita. Eu assisti todos. Me divertia. Mas hoje, olhando com mais senso crítico, e sendo consultora de estilo, eu entendo a atrocidade que era aquilo.
O programa começava com a pessoa sendo surpreendida pela proposta de transformação, porque a dinâmica era a seguinte: a pessoa não se inscrevia para participar do programa, ela era indicada por algum conhecido. Já começamos mal.
Daí, lá ia a pessoa chorar na frente do espelho diante das críticas sobre sua aparência. Depois vinha a fase das compras, e lá ia a pessoa chorar de novo porque não se identificava com nada, porque tudo era muito fora da realidade dela. E aí vinha a parte do corte de cabelo, mais lágrimas. Pra no final ela aparecer linda, montada, supostamente feliz. Mas será?
Vamos lembrar que a pessoa não queria mudar, chorou ao longo de toda a transformação, rejeitou boa parte daquilo que foi imposto pelo programa. Não tinha troca, não tinha diálogo. Tinha duas pessoas que “sabiam tudo de estilo”, transformando outra que não se identificava com nada daquilo.
O que sempre me chamava atenção, mesmo naquela época, era como independentemente da vida da pessoa, eles metiam um scarpin 15. Mãe de quatro filhos pequenos? Scarpin 15. Pessoa que vive numa fazenda cuidando de bicho? Scarpin 15. Sempre a mesma fórmula.
O programa acabou em 2013, e desde então esse formato de transformação foi sendo repensado. Começou com o Queer Eye, que já trouxe uma outra abordagem. Eu não assisti a versão anterior (Queer Eye for the Straight Guy), mas essa nova já começa celebrando a diversidade, tanto dos apresentadores quanto das pessoas que passam pela transformação. O foco é outro também: é sobre ressaltar o que a pessoa já tem de bom, não sobre apagar o que ela é.
E agora relançaram o What Not to Wear, repaginado com esse nome maravilhoso: Where the F** You Want*. A Stacey London já falou em entrevistas que, à medida que foi ficando mais velha, ela mesma entendeu como aquelas regras eram opressoras, já ela passou a não se encaixar mais nelas. Ora, ora.
Agora o programa tem uma outra proposta: construir o estilo dos sonhos da pessoa. Respeitar o estilo, respeitar a vida que ela leva.
No começo do episódio eles montam um look fantasia, o look dos sonhos do participante. E aí depois trazem alguém próximo da pessoa pra ajudar a transformar esse look em algo possível, algo que funcione pra vida real dela.
Teve até participante que fez tatuagem durante o programa! O que só confirma como esse discurso cheio de regras, do certo e do errado, do que é “bom gosto”... tá envelhecendo mal. Até no entretenimento.
E aí eu penso: se até no entretenimento a transformação agora parte da escuta e do desejo da pessoa, como é que a gente, como consultora, ainda vai insistir em fórmulas prontas?

Apesar dos elogios à nova versão, preciso dizer que tem uma única coisa que eu gostava mais na versão antiga. Eles faziam uma consultoria mais completa mesmo. Tinha a parte de entrar no armário da pessoa, fazer a triagem, ver o que fazia sentido ou não (ok, eles jogavam tudo fora, não precisava ser assim). E as compras aconteciam em lojas reais, o que deixava tudo mais pé no chão. Agora eles fazem tudo em estúdio. Senti falta dessas etapas. Mas quem não viu a temporada anterior talvez nem sinta.
Mas o que ficou realmente ecoando em mim foi: se já é difícil se reinventar ao longo da vida, imagina ter que revisitar a própria carreira e admitir que o que você fez por 10 anos, te tornou famoso, talvez não faça mais sentido hoje?
Teria sido mais fácil se o Clinton tivesse virado florista e a Stacey sei lá o quê. Seguir a vida sem olhar pra trás. Mas não. Eles resolveram revisitar aquele programa. Revisitar exige assumir que aquilo que fez sucesso um dia pode ter envelhecido mal. E eles não poupam comentários sobre como eram antes. Que coragem!
Num dos episódios, eles ajudam uma pessoa não-binária a criar um estilo totalmente fora das regras. E aí se pegam quebrando todas as regras com as quais construíram 10 anos de programa. No fim do episódio, eles dizem que aprenderam mais do que ensinaram. Isso é de uma humildade gigantesca.
Eu fiquei pensando: quantas consultoras não estão aí agarradas a regras antigas, com dificuldade de se reinventar? Fazendo as coisas como sempre foram feitas porque o novo assusta?
Mas, se até o entretenimento — que no fim do dia tá preocupado com a audiência e não com os participantes — já entendeu que a fórmula antiga não cola mais, por que é que a consultoria de estilo ainda tá tentando calçar o mesmo scarpin 15?




