Você deixaria um "agente" de IA comprar sua próxima roupa?
Como pesquisadora, um alerta: as mudanças que vão impactar o mercado da moda serão grandes tsunamis nos próximos dois anos.
A próxima grande novidade em IA são os agentes que podem executar tarefas complexas em nome de um usuário, como conduzir pesquisas em vários sites, encontrar produtos on-line e até mesmo concluir a compra.
Imagine tirar uma foto de algo que você gosta, fazer com que o agente entenda o estilo, encontre itens semelhantes em vários varejistas e conclua a compra… Essa é a ideia por trás dessas ferramentas.
Isso será bem complicado, mas uma realidade da qual não vamos conseguir fugir, porque essas tecnologias trazem o apelo da facilidade.
E, se num primeiro momento isso pode parecer ótimo, a minha experiência como consultora de estilo já me aponta algumas possíveis questões que podem surgir daí:
1. A cliente, em geral, não sabe o que quer, nem o que gosta
Se você não é consultora de estilo, talvez esteja pensando:
"Ah, que bobagem, todo mundo sabe do que gosta!"
Mas se você é consultora de estilo, sabe do que estou falando!
Nos atendimentos, eu sempre peço para a cliente montar uma pasta com referências de imagens daquilo que ela gosta.
Sabe quantas dessas imagens, de fato, entram para o Guia de Estilo da cliente? Geralmente, pouquíssimas!
Porque nem tudo que a gente acha bonito no Pinterest ou no Instagram tem a ver com a gente, com a vida que a gente vive, com nossa noção de conforto.
É por isso também que é muito comum que, na pilha de "roupas que a cliente não usa", estejam (quase) todas aquelas que ela comprou porque viu outra pessoa usando.
Então, teremos uma IA que vai oferecer coisas que, sim, farão o olho brilhar. Mas usar mesmo... aí são outros quinhentos.
2. As pessoas vão perder cada vez mais a identidade
Se o consumo de redes sociais já tem levantado o questionamento sobre o quanto estamos perdendo nosso senso de identidade – não só no individual, mas também coletivamente também –, fico me perguntando o que ferramentas como essa irão fazer.
Eu sei que a proposta é que a IA te ofereça cada vez mais coisas que têm grandes chances de você gostar.
Mas estilo também vem da experimentação, do erro, do ponto fora da curva.
Penso que, se só consumirmos aquilo que é certeiro, talvez a gente perca a criatividade e o molho que é o que realmente faz um estilo. Será?
3. E viva o consumo desenfreado!
Ano passado, a Box 1824 fez um estudo sobre os impactos da compra fácil no Brasil, e os dados são assustadores.
Em resumo, eles dizem que a combinação de facilidade de compra + falta de educação financeira tem resultado em um superendividamento das famílias brasileiras de todas as classes sociais.
(Ou seja, não é só uma questão de não ter dinheiro, mas de consumir demais mesmo. Eu recomendo que você leia o estudo para entender melhor.)
Hoje, a gente tem:
Compras gamificadas
Personalização
Compra com 1-clique
E mais um tanto de artifícios que fazem a compra ser muito, muito fácil.
As lojas estão literalmente na palma da sua mão 24 horas por dia.
Junta tudo isso com a abundância de ofertas e temos a receita da dívida.
Agora, imagina acrescentar esse agente de IA na conversa?
Escondam os cartões de crédito!
Mas, Carol, o quanto isso afeta a profissão de quem trabalha com moda e estilo pessoal?
Acredito que afeta quando o profissional ignora essas novidades e não se preparou para desenvolver um trabalho com seus clientes que vai muito além de encontrar uma roupa.
Ninguém escapará dos avanços da IA, mas isso não significa que é o fim – só significa que teremos que entender melhor o jogo que estamos jogando.
Eu vejo até uma grande oportunidade aí!
A cliente que compra demais e não usa quase nada facilmente se frustra com essa situação. Mesmo sem agentes de IA, eu já atendi diversas clientes que me contrataram justamente por esse motivo. Então, taí um nicho a ser trabalhado.
A cliente pode se perder no uso da IA, mas a consultora com olhar treinado pode usá-la a seu favor, para auxiliar nos processos de busca para as clientes.
Por fim, nossa atuação pode ir muito além de mero auxílio nas compras. A maioria das minhas clientes me contrata não porque não sabe o que/onde comprar, mas porque elas têm questões mais complexas que precisam trabalhar.
E eu acho que esse é um ponto importante para destacar sobre a consultoria que eu me proponho a fazer e ensinar.
Para lidar com esses desafios: qualificação, estudo e conhecimento são o caminho.
Tanto que, na minha comunidade de estudos, vou preparar um material focado em tecnologia e moda.
Acredito que, quanto mais a gente entende, discute e avalia esses movimentos, mais criamos saídas inteligentes para nos posicionarmos e reforçarmos o valor do que colocamos no mundo por meio do nosso trabalho.
Por enquanto, estamos aqui especulando e eu adoraria ler o que você tem pensado sobre o tema por aí!